Problemas de lógica envolvendo três variáveis
Outubro 29, 2011
Paulo Afonso
O tema da resolução de problemas tem sido várias vezes objeto de análise e reflexão neste Blog. No momento em que abordei a estratégia de dupla entrada, como sendo uma possível estratégia de resolução de problemas, socorri-me de problemas de lógica, envolvendo apenas duas variáveis. Ora, em contexto de recreação matemática este tipo de problemas costuma ser muito desafiador, pois a natureza das premissas cativam imenso à tentativa de resolução.
Desta vez volto a refletir sobre o mesmo tema mas acrescento-lhe algum nível de dificuldade sem, contudo, lhe diminuir o interesse, pois vou abordar o mesmo tipo de problemas mas contemplando três variáveis em simultâneo e não apenas duas.
Para tal vou basear-me no enunciado de uma situação problemática que encontrei num interessante livro de Calos Lopes*. Eis o que se pretende:
"A Ana, a Bela, o David, e o Ivo terminaram nas primeiras quatro posições numa corrida de atletismo. Os seus apelidos são Gonçalves, Jarra, Choupina e Pires. Com as pistas fornecidas, emparelha os nomes com os apelidos e determina a posição de cada um deles na corrida.
a) A Jarra disse que teria terminado mais à frente se não escorregasse no início da corrida.
b) O Ivo terminou à frente do Pires e atrás da Bela.
c) O irmão do Choupina disse que estava muito orgulhoso de a sua irmã ter terminado a corrida.
d) A Ana terminou atrás do Gonçalves.
e) O David não terminou em terceiro" (Lopes, 2002, p. 43).
* - Lopes, C. (2002). Estratégias e Métodos de Resolução de Problemas em Matemática. Porto: ASA.
Como estratégia de resolução, o resolvedor terá se relacionar três variáveis: os nomes, os apelidos e as posições ocupadas na prova de atletismo. Para tal, será de todo conveniente elaborar uma tabela como a que sugiro a seguir:
Esta tabela permite cruzar duas variáveis de cada vez: (a) nome com apelido; (b) nome com posição na prova e (c) apelido com posição na prova.
De seguida vamos colocar as indicações provenientes das premissas, começando pela premissa a), que diz o seguinte: "A Jarra disse que teria terminado mais à frente se não escorregasse no início da corrida".
Ora desta premissa podemos tirar, de imediato, duas conclusões:
- A Jarra não é homem, por isso já não pode ser o David nem o Ivo;
- A Jarra não terminou a prova em 1º lugar.
Vejamos como fica a tabela, deixando a indicação da premissa de onde proveio a informação. O símbolo a usar para referir "não é" pode ser um "X":
Passemos à premissa b): "O Ivo terminou à frente do Pires e atrás da Bela".
Desta premissa concluímos que:
- O Ivo não ficou em 4º lugar.
- O Ivo não ficou em 1º lugar.
- A Bela não ficou em 4º lugar.
- O Ivo não é Pires.
- A Bela não é Pires.
- O Pires não ficou em 1º lugar.
Eis como fica agora a tabela:
Já a terceira premissa: "O irmão do Choupina disse que estava muito orgulhoso de a sua irmã ter terminado a corrida", permite que se conclua o seguinte:
- A choupina é uma senhora, logo não será o David nem o Ivo:
Vejamos a premissa seguinte: "A Ana terminou atrás do Gonçalves". Daqui conclui-se que:
- A Ana não tem apelido Gonçalves.
- Gonçalves também não é a Bela por ser homem.
- A Ana não ficou em 1º lugar.
- Gonçalves não ficou em 4º lugar.
Eis como fica agora a figura:
A premissa seguinte: "O David não terminou em terceiro" permite mais uma sinalização na tabela:
Neste momento esgotaram-se as premissas, pelo que a tabela contempla toda a informação explícita que cada uma pôde transmitir. De seguida temos de observar a tabela para vermos se já se poderá concluir algo mais. Note-se que o Ivo já só pode ter o apelido de Gonçalves. Logo, este apelido já não pode ser o de mais ninguém, pelo que trancamos a negro o espaço em que o Gonçalves se cruzava com o David. Por outro lado, pelo facto de sabermos que o Ivo não era o 1º classificado, então o Gonçalves, por ser a mesma pessoa, também não o será. Eis como fica a figura:
O 1) que deverá aparecer na tabela significa que se prende com o 1º conjunto de conclusões ocorridas após se terem colocado na tabela todas as informações provenientes diretamente das premissas.
Continuando a observar a tabela, mais conclusões podem ser formuladas:
- O David já só pode ter o apelido Pires, logo o Pires já não poderá ser a Ana.
- O 1º lugar já só pode ser ocupado pela Choupina, pelo que esta já não ocupará as restantes posições.
- Se a Choupina é a 1ª classificada, o Gonçalves já não o poderá ser.
- Se o Pires não era o 1º classificado, então o David também não o será.
- Se o David não era o 3º classificado, o Pires também não o será.
Eis a respetiva tabela:
Logicamente que o 2) representa o 2º conjunto de conclusões que foi possível fazer-se.
Tal como está a informação da tabela, em 1º lugar só poderá ter ficado a Bela. Logo esta já não pode ficar em 2º nem em 3º lugar. Por sua vez, se já sabemos que o 1º lugar foi ocupado pela Choupina, então podemos concluir que a Bela tem apelido Choupina. Logo a Bela já não pode ser Jarra. Eis como fica agora a tabela:
Neste momento já podemos concluir que a Ana tem apelido Jarra:
Assim, já conhecemos todos os emparelhamentos entre nome próprio e apelido:
- Ana Jarra.
- Bela Choupina.
- David Pires.
- Ivo Gonçalves.
De seguida, parece que não há evidências explícitas que ajudem no prosseguimento da resolução. Contudo, voltemos à premissa b), que diz o seguinte: "O Ivo terminou à frente do Pires e atrás da Bela". O mesmo será dizer que o Ivo Gonçalves ficou à frente do David Pires e atrás da Bela Choupina. Esta informação permite que ao olharmos para a linha do Pires este só possa ser 4º classificado para que o Ivo possa ficar à frente dele. Eis a tabela respetiva:
Por último e atendendo à premissa d): "A Ana terminou atrás do Gonçalves", esta ficou em 3º lugar e o Ivo Gonçalves em 2º:
Em síntese, a tabela seguinte evidencia que:
- A Bela Choupina ficou em 1º lugar.
- O Ivo Gonçalves ficou em 2º.
- A Ana Jarra ficou em 3º.
- O David Pires ficou em 4º lugar.
Com o intuito de se poder praticar este tipo de estratégia de resolução deixo como sugestão um enigmático texto, proposto por Albano Coutinho**, num excelente livro publicado no ano de 2005 pela editora 1000 ideias promocionais:
"As três à porta do prédio
Alguém terá registado numa fita magnética de um gravador o seguinte diálogo:
- Olhe, Dona Rosa, eu a falar dela e ela a aparecer!... Aí vem a tal que mora por cima do andar da Dona Júlia...
- A senhora ainda não lhe sabe o nome?!... Bom dia, Dona Edite!
- Como vai, Dona Rosa, passa bem?!... E a vizinha, como vai?...
- Olá, Dona Edite! Estávamos, agora mesmo, a falar da senhora. Aqui a Dona Fernanda dizia-me que a senhora tem tido uma paciência enorme para aturar os seus vizinhos do andar por cima do seu. Aquele senhor Eugénio tem cá um feitio!...
- É um malcriadão, um insolente. Nem calculam o que temos passado! O meu João ainda um dia perde a cabeça e é uma desgraça!... Mas olhem que ela ainda é pior do que ele! Não é que um destes dias...
- Ó Dona Edite, é verdade que aquela safada lhe sujou a roupa que a senhora tinha a secar na varanda?...
- E de propósito! Aquela porcalhona, malvada!... Ela, a Felismina, veio à janela com um balde de água suja - sabe-se lá de quê!... - olhou para todos os lados e, julgando que ninguém a estava a ver, lançou toda aquela sujidade para cima da minha roupa. Só que o senhor Gregório, que vinha do emprego, viu tudo da rua. Claro que foi contar o que viu à sua senhora, que logo se apressou a subir um lanço de escadas para me vir dizer... Foi o fim do mundo!...
- Eu sei, eu sei!... Por acaso eu até nem estava em casa, mas o meu Alberto presenciou tudo e contou-me. Sabe... Não é que ele goste de se meter na vida dos outros, mas, pelos vistos, o banzé foi de tal ordem... e lá em cima, onde moro, como imaginam, nem que não se queira ouve-se tudo!...
- Ainda agorinha, antes de a senhora chegar, era esse episódio que eu estava a comentar. O meu Narciso até me disse, que se o caso fosse connosco, a coisa iria piar fino!... E olhem que nós somos, de todos os inquilinos do prédio, os que estamos mais sujeitos a este tipo de dissabores.
- ... Foi o fim do mundo!... Como eu dizia, o meu marido foi logo bater à porta do andar deles para pedir satisfações... E não é que a besta do Eugénio veio lá de dentro com uma caçadeira nas mãos?!... O cobarde!...
- E o seu marido?!...
- Bem... assim, de repente, apanhado de surpresa, sem estar preparado... Ao meu marido apenas lhe ocorreu perguntar: - Como é?!... Vamos à caça?!
...«acasalar» cada um dos pares envolvidos e atribuir-lhes os andares correspondentes" (Couto, 2005, pp. 131.132).
** - Coutinho, A. (2005). Lógico! 100 Problemas de Lógica. Porto: 1000 ideias promocionais.