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BLOG DE MATEMÁTICA RECREATIVA

Neste Blog pretendo criar um espaço propício à reflexão sobre o tema da Matemática Recreativa. Nele poderemos propor tarefas susceptíveis de poderem ser levadas à sala de aula de Matemática: quebra-cabeças, jogos, enigmas, puzzles, etc.

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Problemas de lógica envolvendo três variáveis

Outubro 29, 2011

Paulo Afonso

O tema da resolução de problemas tem sido várias vezes objeto de análise e reflexão neste Blog. No momento em que abordei a estratégia de dupla entrada, como sendo uma possível estratégia de resolução de problemas, socorri-me de problemas de lógica, envolvendo apenas duas variáveis. Ora, em contexto de recreação matemática este tipo de problemas costuma ser muito desafiador, pois a natureza das premissas cativam imenso à tentativa de resolução.

 

Desta vez volto a refletir sobre o mesmo tema mas acrescento-lhe algum nível de dificuldade sem, contudo, lhe diminuir o interesse, pois vou abordar o mesmo tipo de problemas mas contemplando três variáveis em simultâneo e não apenas duas.

 

Para tal vou basear-me no enunciado de uma situação problemática que encontrei num interessante livro de Calos Lopes*. Eis o que se pretende:

 

"A Ana, a Bela, o David, e o Ivo terminaram nas primeiras quatro posições numa corrida de atletismo. Os seus apelidos são Gonçalves, Jarra, Choupina e Pires. Com as pistas fornecidas, emparelha os nomes com os apelidos e determina a posição de cada um deles na corrida.

 

a) A Jarra disse que teria terminado mais à frente se não escorregasse no início da corrida.

b) O Ivo terminou à frente do Pires e atrás da Bela.

c) O irmão do Choupina disse que estava muito orgulhoso de a sua irmã ter terminado a corrida.

d) A Ana terminou atrás do Gonçalves.

e) O David não terminou em terceiro" (Lopes, 2002, p. 43). 

 

* - Lopes, C. (2002). Estratégias e Métodos de Resolução de Problemas em Matemática. Porto: ASA.

 

Como estratégia de resolução, o resolvedor terá se relacionar três variáveis: os nomes, os apelidos e as posições ocupadas na prova de atletismo. Para tal, será de todo conveniente elaborar uma tabela como a que sugiro a seguir:

 

 

Esta tabela permite cruzar duas variáveis de cada vez: (a) nome com apelido; (b) nome com posição na prova e (c) apelido com posição na prova.

 

De seguida vamos colocar as indicações provenientes das premissas, começando pela premissa a), que diz o seguinte: "A Jarra disse que teria terminado mais à frente se não escorregasse no início da corrida".

 

Ora desta premissa podemos tirar, de imediato, duas conclusões:

 

- A Jarra não é homem, por isso já não pode ser o David nem o Ivo;

- A Jarra não terminou a prova em 1º lugar.

 

Vejamos como fica a tabela, deixando a indicação da premissa de onde proveio a informação. O símbolo a usar para referir "não é" pode ser um "X":

 

 

Passemos à premissa b): "O Ivo terminou à frente do Pires e atrás da Bela".

 

Desta premissa concluímos que:

- O Ivo não ficou em 4º lugar.

- O Ivo não ficou em 1º lugar.

- A Bela não ficou em 4º lugar.

- O Ivo não é Pires.

- A Bela não é Pires.

- O Pires não ficou em 1º lugar.

 

Eis como fica agora a tabela:

 

 

 

 

Já a terceira premissa: "O irmão do Choupina disse que estava muito orgulhoso de a sua irmã ter terminado a corrida", permite que se conclua o seguinte:

- A choupina é uma senhora, logo não será o David nem o Ivo:

 

  

Vejamos a premissa seguinte: "A Ana terminou atrás do Gonçalves". Daqui conclui-se que:

- A Ana não tem apelido Gonçalves.

- Gonçalves também não é a Bela por ser homem.

- A Ana não ficou em 1º lugar.

- Gonçalves não ficou em 4º lugar.

 

Eis como fica agora a figura:

 

 

A premissa seguinte: "O David não terminou em terceiro" permite mais uma sinalização na tabela:

 

 

Neste momento esgotaram-se as premissas, pelo que a tabela contempla toda a informação explícita que cada uma pôde transmitir. De seguida temos de observar a tabela para vermos se já se poderá concluir algo mais. Note-se que o Ivo já só pode ter o apelido de Gonçalves. Logo, este apelido já não pode ser o de mais ninguém, pelo que trancamos a negro o espaço em que o Gonçalves se cruzava com o David. Por outro lado, pelo facto de sabermos que o Ivo não era o 1º classificado, então o Gonçalves, por ser a mesma pessoa, também não o será. Eis como fica a figura:

 

 

 

 

O 1) que deverá aparecer na tabela significa que se prende com o 1º conjunto de conclusões ocorridas após se terem colocado na tabela todas as informações provenientes diretamente das premissas.

 

Continuando a observar a tabela, mais conclusões podem ser formuladas:

- O David já só pode ter o apelido Pires, logo o Pires já não poderá ser a Ana.

- O 1º lugar já só pode ser ocupado pela Choupina, pelo que esta já não ocupará as restantes posições.

- Se a Choupina é a 1ª classificada, o Gonçalves já não o poderá ser.

- Se o Pires não era o 1º classificado, então o David também não o será.

- Se o David não era o 3º classificado, o Pires também não o será.

 

Eis a respetiva tabela:

 

 

 

Logicamente que o 2) representa o 2º conjunto de conclusões que foi possível fazer-se.

 

 

Tal como está a informação da tabela, em 1º lugar só poderá ter ficado a Bela. Logo esta já não pode ficar em 2º nem em 3º lugar. Por sua vez, se já sabemos que o 1º lugar foi ocupado pela Choupina, então podemos concluir que a Bela tem apelido Choupina. Logo a Bela já não pode ser Jarra. Eis como fica agora a tabela: 

 

 

Neste momento já podemos concluir que a Ana tem apelido Jarra:

 

 

Assim, já conhecemos todos os emparelhamentos entre nome próprio e apelido:

- Ana Jarra.

- Bela Choupina.

- David Pires.

- Ivo Gonçalves.

 

De seguida, parece que não há evidências explícitas que ajudem no prosseguimento da resolução. Contudo, voltemos à premissa b), que diz o seguinte: "O Ivo terminou à frente do Pires e atrás da Bela". O mesmo será dizer que o Ivo Gonçalves ficou à frente do David Pires e atrás da Bela Choupina. Esta informação permite que ao olharmos para a linha do Pires este só possa ser 4º classificado para que o Ivo possa ficar à frente dele. Eis a tabela respetiva:

 

 

Por último e atendendo à premissa d): "A Ana terminou atrás do Gonçalves", esta ficou em 3º lugar e o Ivo Gonçalves em 2º:

 

 

Em síntese, a tabela seguinte evidencia que:

- A Bela Choupina ficou em 1º lugar.

- O Ivo Gonçalves ficou em 2º.

- A Ana Jarra ficou em 3º.

- O David Pires ficou em 4º lugar.

 

 

Com o intuito de se poder praticar este tipo de estratégia de resolução deixo como sugestão um enigmático texto, proposto por Albano Coutinho**, num excelente livro publicado no ano de 2005 pela editora 1000 ideias promocionais:

"As três à porta do prédio

 

Alguém terá registado numa fita magnética de um gravador o seguinte diálogo:

 

- Olhe, Dona Rosa, eu a falar dela e ela a aparecer!... Aí vem a tal que mora por cima do andar da Dona Júlia...

 

- A senhora ainda não lhe sabe o nome?!... Bom dia, Dona Edite!

 

- Como vai, Dona Rosa, passa bem?!... E a vizinha, como vai?...

 

- Olá, Dona Edite! Estávamos, agora mesmo, a falar da senhora. Aqui a Dona Fernanda dizia-me que a senhora tem tido uma paciência enorme para aturar os seus vizinhos do andar por cima do seu. Aquele senhor Eugénio tem cá um feitio!...

 

- É um malcriadão, um insolente. Nem calculam o que temos passado! O meu João ainda um dia perde a cabeça e é uma desgraça!... Mas olhem que ela ainda é pior do que ele! Não é que um destes dias...

 

- Ó Dona Edite, é verdade que aquela safada lhe sujou a roupa que a senhora tinha a secar na varanda?...

 

- E de propósito! Aquela porcalhona, malvada!... Ela, a Felismina, veio à janela com um balde de água suja - sabe-se lá de quê!... - olhou para todos os lados e, julgando que ninguém a estava a ver, lançou toda aquela sujidade para cima da minha roupa. Só que o senhor Gregório, que vinha do emprego, viu tudo da rua. Claro que foi contar o que viu à sua senhora, que logo se apressou a subir um lanço de escadas para me vir dizer... Foi o fim do mundo!...

 

- Eu sei, eu sei!... Por acaso eu até nem estava em casa, mas o meu Alberto presenciou tudo e contou-me. Sabe... Não é que ele goste de se meter na vida dos outros, mas, pelos vistos, o banzé foi de tal ordem... e lá em cima, onde moro, como imaginam, nem que não se queira ouve-se tudo!...

 

- Ainda agorinha, antes de a senhora chegar, era esse episódio que eu estava a comentar. O meu Narciso até me disse, que se o caso fosse connosco, a coisa iria piar fino!... E olhem que nós somos, de todos os inquilinos do prédio, os que estamos mais sujeitos a este tipo de dissabores.

 

- ... Foi o fim do mundo!... Como eu dizia, o meu marido foi logo bater à porta do andar deles para pedir satisfações... E não é que a besta do Eugénio veio lá de dentro com uma caçadeira nas mãos?!... O cobarde!...

 

- E o seu marido?!...

 

- Bem... assim, de repente, apanhado de surpresa, sem estar preparado... Ao meu marido apenas lhe ocorreu perguntar: - Como é?!... Vamos à caça?!

 

...«acasalar» cada um dos pares envolvidos e atribuir-lhes os andares correspondentes" (Couto, 2005, pp. 131.132).

 

** - Coutinho, A. (2005). Lógico! 100 Problemas de Lógica. Porto: 1000 ideias promocionais.

Problemas que desenvolvem o pensamento algébrico

Maio 18, 2010

Paulo Afonso

Desde a década de 90 do século passado que o tema da resolução de problemas tem sido considerado, de forma explícita, como um contexto de aprendizagem propício ao desenvolvimento do raciocínio dos alunos. Neste artigo pretendo evidenciar como a escolha de alguns problemas pode contribuir para que se desenvolva a temática do pensamento algébrico.

 

Vou partir de um enunciado, adaptado de um excelente livro de Vivien Lucas, intitulado "Um Problema por Dia"*, cujo texto é o seguinte: "A Letícia Triângulo estava a aprender a tocar piano. Decidiu praticar durante 5 minutos no 1º dia, 15 minutos no 2º dia, 25 minutos no 3º dia e assim sucessivamente." (p. 93).

 

Qual o dia que ela começou a praticar mais de metade do dia?

 

* - Lucas, V. (2003). Um Problema por Dia. Lisboa. Replicação.

 

Este problema obriga a que se relacione o número do dia, em termos de números ordinais, e o tempo gasto a treinar piano:

 

1º dia - 5 minutos

2º dia - 15 minutos

3º dia - 25 minutos

 

Além disto, teremos de calcular quantos minutos estão implícitos em metade do dia, isto é, em 12 horas. Ora 12 x 60 = 720 minutos. É este o tempo de treino correspondente a metade de um dia.

  

Uma tabela poderá ajudar a sistematizar o que se conhece:

  

Dia                       Tempo Gasto (minutos)
1º                      5
2º                      5 + 1 x (2 x 5) = 15
3º                      5 + 2 x (2 x 5) = 25

 

 

 

  

Tendo em conta a tabela anterior seria desejável que me contexto de sala de aula os alunos concluíssem que o 4º dia já implicava 5 + 3 x (2 x 5) minutos, isto é, 35 minutos de treino de piano.

 

Dando continuidade a outros exemplos, facilmente se chega à lei geral em que o número do dia (d) é igual à soma de 5 com o produto de o número de dias menos um (d - 1) por dez, isto é: d = 5 + (d - 1) x (2 x 5).

 

Ora, uma estimativa interessante para se chegar ao valor de 720 minutos, corerspondente a 12 horas de treino diário seria o valor 72º dia, pois se d = 72 implica que 5 + (d - 1) x (2 x 5) = 5 + 71 x 10 = 715 minutos. Ora, este valor fica ligeiramente abaixo do valor esperado, pelo que se justifica testar para o 73º dia. Assim sendo, 5 + (d - 1) x (2 x 5) = 5 + 72 x 10 = 725 minutos. Será, pois, a partir do 73º dia que a Letícia treinará mais do que metade do dia.

 

Imagine-se que a sua amiga, Joana Quadrado, também estava a iniciar o seu treino de piano e decidiu treinar por dia o dobro do tempo que a Letícia treinava, começando em 10 minutos no 1º dia. Será que precisaria de metade dos dias da Letícia para passar a treinar pelo menos metade do dia?

 

Sabendo isto, a irmã gémea da Joana, de nome Rita Quadrado, decidiu fazer um plano de treino, cujos tempos diários eram sempre o dobro da sua irmã. De quantos dias precisará para começar a treinar mais do que metade do dia? 

Resolver problemas decompondo-os nas suas partes constituintes

Fevereiro 23, 2009

Paulo Afonso

Muitas são as estratégias que se poderão usar na resolução de problemas. Contudo, a escolha mais adequada das estratégias depende sempre do tipo de problema que se pretende resolver. Para a reflexão desta semana apresento um determinado tipo de problemas - problemas de processo - que para a sua resolução sistematizada convém que se decomponham os problemas nas suas partes constituintes.

Imagine-se desafiado a identificar todos os triângulos que é possível encontrar neste pentagrama:

Ao tentar dar resposta a este desafio encontrará, certamente, dificuldades na identificação de todos os triângulos, pois trata-se de uma figura que contempla muitas figuras desse tipo.

Um bom registo ajudará a estruturar o raciocínio. Além disto, como há vários tipos de triângulos, se a nossa atenção incidir num tipo de triângulo de cada vez, isso poderá ajudar na resolução da globalidade do problema.

De facto, problemas desta natureza exigem que a sua resolução contemple uma abordagem parcelar a cada uma das suas partes constituintes. Sendo assim, podemos começar por numerar todas as zonas triangulares de menor dimensão, o que origina, de imediato, a identificação de 10 triângulos unitários:

Temos, pois, já identificados 10 triângulos:

De seguida constata-se que o triângulo formado pelos triângulos 1 e 2 é um novo triângulo, diferente daqueles dez já identificados. Ora, centrando a nossa atenção na procura exclusiva de triângulos deste novo tipo, identificamos 10. São eles: [1,2]; [2,3]; [3,4]; [4,5]; [5,6]; [6,7]; [7,8]; [8,9]; [9,10] e [1,10]. Estão, pois, identificados 20 triângulos.

Veja-se, agora, que o triângulo formado pelos triângulos 1, 2 e 3 formam um novo triângulo. Como este há mais quatro, o que implica haver 5 triângulos deste novo tipo: [1,2,3]; [3,4,5]; [5,6,7]; [7,8,9] e [1,9,10]. Já vamos em 25 triângulos.

Repare que o triângulo formado pelos triângulos 1, 2, 6, 10, envolvendo o pentágono central, ainda não está identificado. Estamos perante um novo tipo de triângulos. Como este há mais quatro, pelo que deste tipo há 5 triângulos: [1,2,6,10]; [2,3,4,8]; [4,5,6,10]; [2,6,7,8] e [4,8,9,10]. Já contabilizámos 30 triângulos.

Por fim, ainda se pode identificar um novo tipo de triângulo, cujo exemplo pode ser o formado pelos triângulos 2, 6 e envolvendo o pentágono central. Como este há mais quatro, pelo que podem ser identificados 5 deste tipo: [2,6]; [2,8]; [4,8]; [4,10] e [6,10].

Uma vez que esta estratégia nos permitiu identificar os triângulos de cada tipo, é-nos fácil concluir, agora, que este figura permite a identificação de 35 triângulos. Além disto, esta estratégia de resolução permite identificar cada um desses 35 triângulos a qualquer momento, pelo que evita a repetição de ideias ou um certo tipo de "resolução em círculo vicioso".

Com base nesta estratégia de resolução tente identificar todos os triângulos existentes nesta nova figura:

 

Problemas com mais do que uma solução - um caso de divisibilidade

Fevereiro 02, 2009

Paulo Afonso

Resolver problemas tem sido uma actividade humana que tem contribuído imenso para o desenvolvimento de muitas áreas do saber, de onde a Matemática não é excepção. Desde logo, há problemas que nos despertam mais a vontade de os resolver do que outros. Até há quem diga que um problema só é verdadeiramente problema a partir do momento em que o resolvedor o tentar resolver.

De entre várias definições que poderia apresentar para o conceito de problema, recorro à que tem sido, porventura, mais vezes referenciada na literatura da especialidade, da autoria de Kantowski* (1974). Esta investigadora americana entende que "um indivíduo está perante um problema quando encontra uma questão à qual não consegue responder ou uma situação que não é capaz de resolver usando o conhecimento imediatamente disponível. Tem que pensar num caminho de combinação da informação de que dispõe, no sentido de poder chegar à solução do problema" (p.1).

 

* - Kantowski, E. (1974). Process Involved in Mathematical Problem Solving. University of Geogia. Tese de Doutoramento.

 

Como sabemos, a Matemática é fértil em problemas; existem os problemas de um passo, de dois ou mais passos, de processo, de aplicação, de tipo puzzle, de aparato experimental, de conteúdo e também existem os problemas sem solução, com dados a menos, com dados a mais, com uma única solução e com várias soluções.

Ora, o tema que eu escolhi para objecto de reflexão neste artigo é o tema dos problemas que permitem mais do que uma solução. A minha opção por este tipo de problemas reside no facto de, perante múltiplos resolvedores, poder haver, não só confronto de estratégias de resolução, mas, também, confronto em termos das soluções obtidas. Por outro lado, são um tipo de problemas fundamentais para se porem em prática as nossas capacidades de resolução, que passam por não ficarmos satisfeitos com uma primeira solução encontrada.

Como situação de recreação matemática imagine-se desafiado a resolver um primeiro desafio, extraído do livro de Costa** (1986):

"No mercado havia seis cestas com ovos, umas com ovos de galinha, outras com ovos de pata. Cada cesta tinha uma etiqueta com o número de ovos que continha:

5          6          12          14          23          29

«Se vendo esta cesta», pensava a vendedeira, «ficarei com duas vezes mais ovos de galinha que de pata».

A que cesta se referia a vendedeira?" (p. 29).

 

** - Costa, M. (1986). O problema da semana. LIsboa: APM.

 

Uma possível estratégia de resolução poderia ser a tentativa e erro, pelo que, testando todas as hipóteses, constatar-se-ia que só a venda dos ovos de uma cesta satisfazia o pensamento da vendedeira - seria a venda da cesta com 29 ovos.

De facto, se do total de ovos, que é 89, forem vendidos os 29 de uma das cestas, os 60 ovos restantes permitem que se encontrem dois valores numéricos, em que um é o dobro do outro (40 e 20), e que se adequam exactamente à quantidade de ovos restantes nas outras cinco cestas, pois: 40 = 23 + 12 + 5 e 20 = 14 + 6.

Segundo o meu ponto de vista, este problema, por permitir apenas uma solução válida, é, matematicamente, menos rico do que um outro em que apenas se trocava o valor 29 pelo valor 2 e se mantinha todo o enunciado anterior.

Note-se que já permitia duas soluções:

Total de ovos: 2 + 5 + 6 + 12 + 14 + 23 = 62
Cesta Vendida Ovos sobrantes: 60 Cesta Vendida Ovos sobrantes: 39
2

60 = 40 + 20

40 = 23 + 12 + 5

20 = 14 + 6

23

39 = 26 + 13

26 = 14 + 12

13 = 6 + 5 + 2

Constata-se, pois, que este novo enunciado permite duas conclusões:

(a) se se vender a cesta contendo 2 ovos, restam 40 (23 + 12 + 5) ovos de galinha e 20 (14 + 6) ovos de pata;

(b) se se vender a cesta contendo os 23 ovos, restam 26 (14 + 12) ovos de galinha e 13 (6 + 5 + 2) ovos de pata.

Em contexto de sala de aula, o processo de descoberta destes dois casos de sucesso poderia estar associado ao conceito matemático de divisibilidade de um número inteiro por três. Obter-se-iam três valores iguais (x + x + x) e a junção de duas das três partes (2x) que dividem esse número originaria um valor que seria o dobro da outra terça parte (x) que divide o número.

Façamos, pois, o estudo para cada uma das cestas.

- Vender a cesta dos 2 ovos:

O total de ovos passaria a ser 60. Como 6 + 0 = 6, isto é, múltiplo de 3, permite a obtenção de três quantidades iguais de ovos (20 + 20 + 20). Adicionando duas dessas quantidades (20 + 20), obtém-se um valor duplo da outra quantidade (20). Resta saber se existem ovos para perfazer exactamente estes valores. Como vimos acima, o valor 20 obtém-se pelos ovos das cestas que contêm 14 e 6 ovos, respectivamente. Por sua vez, as três cestas restantes contêm exactamente os outros 40 ovos (23 + 12 + 5).

- Vender a cesta dos 5 ovos:

O total de ovos passaria a ser 57. Como 5 + 7 = 12, estamos perante um novo múltiplo do 3. Logo, o 57 permite a obtenção de três quantidades iguais: 19 + 19 + 19. Resta saber se os ovos sobrantes permitem a obtenção dos valores 19 e 38 (19 + 19). Ora, verifica-se que isso não é possível, pois têm que se usar sempre as quantidades totais de cada cesta.

- Vender a cesta dos 6 ovos:

A vender-se esta cesta restariam 56 ovos. Como 5 + 6 = 11, conclui-se que o valor 56 não é divisível por 3. Logo, esta cesta não satisfaz o enunciado da tarefa.

- Vender a cesta dos 12 ovos:

O total de ovos restante seria 50. Uma vez mais, não estamos perante um múltiplo de 3, pois 5 + 0 = 5. Logo, esta cesta não está no pensamento da vendedeira como sendo a que deve vender naquelas condições descritas.

- Vender a cesta dos 14 ovos:

Ficariam 48 ovos para vender. 4 + 8 = 12. Como 12 é múltiplo de 3, o 48 também, pelo que permite a obtenção de três conjuntos de igual valor numérico (16 + 16 + 16). Contudo, vendendo-se os ovos desta cesta, os restantes não possibilitam a obtenção dos valores 16 e 32. Logo, esta não seria a cesta a vender.

- Vender a cesta dos 23 ovos:

Como o quadro acima evidencia, a venda desta cesta é favorável às pretensões da vendedeira. Assim, confirma-se que este desafio permite mais do que uma solução.

Tendo em conta esta reflexão, tente resolver este novo desafio: 

O Sr. Artur é vendedor de pintainhos de cor branca e pintainhos de cor amarela. Neste momento tem os pintainhos em seis caixas, contendo, respectivamente, as seguintes quantidades: 2, 4, 7, 11, 12 e 14 pintainhos.

«se vender os pintainhos desta caixa ficarei com o dobro de pintainhos amarelos relativamente ao número de pintainhos brancos».

A que caixa de pintainhos se referia o Sr. Artur? 

Relação algébrica envolvendo o tema das idades

Outubro 01, 2008

Paulo Afonso

Um dos temas comuns em actividades de recreação matemática é a idade das pessoas. Em muitos casos os resolvedores são solicitados a identificar a idade de alguém, tendo que saber tirar partido dos dados ou das pistas fornecidas pelo enunciado. O exemplo que escolhi para abordar este tema é o seguinte:

"Será possível dizer-se que uma determinada pessoa A pode passar a ter o dobro da idade de uma outra pessoa B, sendo que agora a pessoa A tem quatro vezes a idade da pessoa B?"

Por tentativas, este desafio de recreação matemática pode ser resolvido de forma afirmativa, pois, se a pessoa B tiver agora 10 anos e a pessoa A tiver 40, quando a pessoa B tiver 30 anos, a pessoa A terá 60. Ora, 40 = 4 x 10 e 60 = 2 x 30.

Outro caso de sucesso é, por exemplo, o seguinte: se a pessoa B tiver agora 12 anos e a pessoa A tiver 48, quando a pessoa B tiver 36 anos, a pessoa A terá 72. Uma vez mais, 48 = 4 x 12 e 72 = 2 x 36.

Se se transportar esta situação para contexto de sala de aula, será desejável que os alunos analisem algebricamente este tipo de relações matemáticas. Inicialmente, se a pessoa B tiver b anos, a pessoa A terá 4b anos. No final, se a pessoa B passar a ter b + 2b anos, isto é, 3b anos, a pessoa A terá 4b + 2b anos, isto é, 6b anos. Logo, terá o dobro da idade da pessoa B. Esta constatação pode ser obtida através da resolução de um simples sistema de duas equações lineares, a duas incógnitas, que me dispenso de apresentar aqui.

O quadro seguinte evidencia esta constatação algébrica, com a respectiva generalização: 

  Pessoa B Pessoa A Conclusão

Agora

Depois

1

1 + 2 x 1 = 3

4

4 + 2 = 6

4 = 4 x 1

6 = 2 x 3

Agora

Depois

2

2 + 2 x 2 = 6

8

8 + 4 = 12

8 = 4 x 2

12 = 2 x 6

Agora

Depois

b

b + 2b = 3b

4b

4b + 2b = 6b

4b = 4 x b

6b = 3 x 2b

Face à relação algébrica evidenciada no quadro anterior, poder-se-ão desafiar os alunos a resolver a seguinte situação:

Se uma pessoa B tiver agora 9 anos, com que idade é que uma pessoa A, que tem agora o quadruplo da idade da pessoa B, poderá dizer que passou a ter o dobro da idade dessa pessoa B?

Esta situação permite, necessariamente, múltiplas extensões, como a que apresento a seguir:

"Será possível dizer-se que uma determinada pessoa A pode passar a ter o dobro da idade de uma outra pessoa B, sendo que agora a pessoa A tem o triplo da idade da pessoa B?"

Faça a investigação respectiva e verá que vai ficar, porventura, surpreendido!

 

Uma boa estratégia de resolução para problemas de Lógica

Setembro 20, 2008

Paulo Afonso

Em Matemática Recreativa é usual sugerirem-se problemas que apelam ao raciocínio lógico e que implicam a utilização de uma boa estratégia de resolução, sob pena de os resolvedores sentirem algumas dificuldades em organizarem o seu processo de pensamento. O exemplo que apresento a seguir, retirado de uma obra* que tive a felicidade de publicar em 2001, transporta-nos para um cenário deste tipo:

Pedro, André, Cláudio, Dinis e Bernardo estão a ensaiar uma peça de teatro, onde os personagens são um rei, um soldado, um bobo, um guarda e um prisioneiro.

Sabe-se que:

1 - Pedro, André e o prisioneiro ainda não sabem bem os seus papéis;

2 - nos intervalos, o soldado joga às cartas com o Dinis;

3 - Pedro, André e Cláudio estão sempre a criticar o guarda;

4 - o bobo gosta de ver representar o André, o Cláudio e o Bernardo, mas detesta ver o soldado.

Qual o papel desempenhado na peça por cada um?

* - Afonso, Paulo (2001). Uma aventura matemática na Internet. Porto: ASA.

Este desafio tem a seguinte resolução: (a) O rei é o André, (b) o soldado é o Pedro, (c) o bobo é o Dinis, (d) o guarda é o Bernardo e, (e) o prisioneiro é o Cláudio.

Contudo, a utilização de uma boa estratégia de resolução permite perceber-se, durante o processo de resolução e ao fim do mesmo, o tipo de raciocínio empregue, evitando a resolução em círculos viciosos. Sugiro, pois, a utilização de uma tabela de dupla entrada, associada a uma legenda e à escrita minuciosa dos passos que forem sendo dados:

 

Pedro

André

Cláudio

Dinis

Bernardo

Rei

 

 

 

 

 

Soldado

 

 

 

 

 

Bobo

 

 

 

 

 

Guarda

 

 

 

 

 

Prisioneiro

 

 

 

 

 

Legenda: X - é; O - não é

Vamos interpretar a 1ª premissa:

Se Pedro, André e o prisioneiro ainda não sabem bem os seus papéis, então o Pedro e o André não são o prisioneiro:

  Pedro André Cláudio Dinis Bernardo
Rei          
Soldado          
Bobo          
Guarda          
Prisioneiro

O(1)

O(1)

     

 Após interpretação das restantes premissas, a tabela assume a seguinte configuração: 

  Pedro André Cláudio Dinis Bernardo
Rei          
Soldado  

O(4)

O(4)

O(2)

O(4)

Bobo  

O(4)

O(4)

 

O(4)

Guarda

O(3)

O(3)

O(3)

   
Prisioneiro

O(1)

O(1)

     

Como acabei de registar os dados provenientes de todas as premissas, resta-me saber tirar partido desta potente tabela, pois podemos ver que o soldado já só pode ser o Pedro e o André já só pode ser o rei. Registemos, então, estas conclusões:

 

Pedro

André

Cláudio

Dinis

Bernardo

Rei

 

X

 

 

 

Soldado

X

O(4)

O(4)

O(2)

O(4)

Bobo

 

O(4)

O(4)

 

O(4)

Guarda

O(3)

O(3)

O(3)

 

 

Prisioneiro

O(1)

O(1)

 

 

 

Se o Pedro é o soldado e o André é o rei, podemos trancar a coluna do Pedro e a linha do rei, porque cada pessoa só desempenha um papel:

  Pedro André Cláudio Dinis Bernardo
Rei O X O O O
Soldado X

O(4)

O(4)

O(2)

O(4)

Bobo O

O(4)

O(4)

 

O(4)

Guarda

O(3)

O(3)

O(3)

   
Prisioneiro

O(1)

O(1)

     

Verifica-se, agora, que o bobo só pode ser o Dinis e o Cláudio só pode ser o prisioneiro, pelo que se deve trancar o resto da coluna do Dinis e o resto da linha do prisioneiro, ficando o Bernardo a ser o guarda:

  Pedro André Cláudio Dinis Bernardo
Rei O X O O O
Soldado X

O(4)

O(4)

O(2)

O(4)

Bobo O

O(4)

O(4)

X

O(4)

Guarda

O(3)

O(3)

O(3)

O X
Prisioneiro

O(1)

O(1)

X O O

Fica, pois, demonstrado o poder desta estratégia de resolução para problemas deste tipo.

Faça o teste com o seguinte problema análogo:

Quatro corredores de fundo - Artur, Bento, Carlos e Daniel - são especialistas, não necessariamente por esta ordem, da maratona, dos 1000 metros, dos 5000 metros e dos 3000 metros obstáculos.

Sabe-se que:

1 - O Artur e o especialista dos 3000 metros obstáculos correm pelo mesmo clube.

2 - Bento e o maratonista nasceram no norte.

3 - Bento passou o seu 21º aniversário na Madeira.

4 - O especialista dos 5000 metros nunca foi à Madeira.

5 - A irmã do maratonista namora o Artur.

6 - O especialista dos 3000 metros obstáculos esteve nos Jogos Olímpicos com o Bento e o Daniel.

Qual a especialidade de cada um?

Enunciados poderosos

Agosto 12, 2008

Paulo Afonso

A Matemática Recreativa é fértil em apresentar desafios cujos enunciados requerem uma atenção especial. Muitas são as investigações em Educação Matemática onde se tem vindo a constatar que algum do insucesso na resolução de problemas passa por uma incorrecta interpretação dos respectivos enunciados. Veja-se um caso bem conhecido, como o seguinte:

"Se um tijolo pesa um quilo mais meio tijolo, quanto pesa tijolo e meio?"

 

Esta situação, transportada para a sala de aula pode servir de base para a exploração de vários conceitos matemáticos, como seja a estratégia do esquema ou figura ou a introdução às equações lineares. Tudo depende do público-alvo em questão.

No caso vertente, este desafio requer uma atenção muito cuidada ao nível da leitura e interpretação do enunciado, aliás, recomendação primeira no modelo de resolução de problemas proposto por Polya.

Uma primeira preocupação do resolvedor deverá ser a identificação do peso de um tijolo. Ora, esta informação está no enunciado, pois refere que "um tijolo pesa um quilo mais meio tijolo".

No fundo, o recurso a um bom esquema ou a uma boa figura pode ilustrar esta igualdade:

 

De seguida importa ver se há coisas iguais nos dois pratos da balança. De facto, se se considerar que um tijolo inteiro é formado pelas suas duas metades, há metade de um tijolo em cada prato da balança, que pode ser retirado:

Retirando essa componente comum aos dois pratos, constata-se que a balança continua em equilíbrio, pelo que metade de um tijolo pesa um quilo:

Assim, se metade de um tijolo pesa um quilo, um tijolo inteiro pesa dois quilos e tijolo e meio pesa três quilos.

Fica, pois, provado que este desafio pode servir para introdução do conceito de equação linear e permite, por outro lado, valorizar uma das muitas e importantes estratégias de resolução de problemas, que é a do esquema ou figura.

Este exemplo permite pensar-se em outros do mesmo tipo, como seja: "Se um animal pesa 140 quilos mais um terço do seu peso, qual é o seu peso total?"

 

 

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